Quando Philip Greenland, professor de Cardiologia da Universidade Northwestern, divulgou os resultados de um estudo que analisou quase 10 milhões de pacientes, a surpresa foi clara: mais de 99% das pessoas que sofreram infarto, AVC ou insuficiência cardíaca tinham pelo menos um dos quatro fatores de risco conhecidos.
O trabalho, publicado em outubro de 2025 no Journal of the American College of Cardiology, foi fruto de uma colaboração entre a Universidade Yonsei, em Seul, Coreia do Sul, e a Northwestern Medicine, nos Estados Unidos. Aqui vai o ponto principal: hipertensão, colesterol alto, glicemia elevada e tabagismo aparecem quase sempre antes de um evento cardiovascular grave.
Contexto e motivação da pesquisa
Nos últimos anos, surgiram relatos de “infartos silenciosos”, ou seja, ocorrências sem sinais prévios aparentes. Essa ideia alimentou a crença de que ataques cardíacos podem ser inesperados, como um raio em dia de sol. Greenland e sua equipe decidiram colocar esse mito à prova, reunindo bases de dados de duas populações muito diferentes – sul‑coreanos a partir de 20 anos e norte‑americanos entre 45 e 84 anos – e acompanhando-os por até duas décadas.
Metodologia e principais achados
Foram analisados 9.300.000 registros sul‑coreanos e 6.800 norte‑americanos. Os critérios foram rigorosos: pressão arterial ≥ 120/80 mmHg (e ≥ 140/90 mmHg para hipertensão clínica), colesterol total > 200 mg/dL (e > 240 mg/dL para níveis críticos) e glicemia de jejum > 100 mg/dL. O tabagismo incluiu fumantes atuais e ex‑fumantes.
Os resultados, detalhados em tabelas extensas, mostraram:
- Hipertensão foi o fator mais frequente, presente em mais de 95% dos pacientes sul‑coreanos e em 93% dos norte‑americanos.
- Colesterol alto apareceu em 88% dos casos.
- Glicemia elevada foi detectada em 81% dos pacientes.
- Tabagismo, mesmo em ex‑fumantes, esteve presente em 74% das ocorrências.
Surpreendentemente, 93% dos indivíduos que sofreram um evento cardiovascular tinham dois ou mais desses fatores simultaneamente. Até mulheres abaixo de 60 anos – tradicionalmente consideradas de menor risco – exibiram a mesma tendência, com 95% apresentando ao menos um fator desfavorável.
Reações da comunidade médica
Ao ler o artigo, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) enviou um comunicado destacando a relevância dos achados para o Brasil, onde, segundo seus próprios dados, o infarto agudo do miocárdio causa cerca de 400 mil mortes por ano. "Esses números reforçam a necessidade de uma política de prevenção mais agressiva", afirmou a diretora‑executiva da SBC, Dra. Carolina Mendes.
Especialistas em saúde pública, como o epidemiologista brasileiro Dr. Rafael Costa, concordam que o estudo “desmonta a ideia de que o coração pode ‘surpreender’ sem aviso”. Ele recomenda a integração de rastreamentos de pressão e colesterol nas unidades básicas de saúde, algo que ainda não é padrão em muitas cidades.
Implicações para a saúde pública no Brasil
O Brasil enfrenta uma batalha constante contra doenças cardiovasculares. Comparado a todos os tipos de câncer juntos, os infartos matam o dobro das pessoas, triplicam os óbitos por doenças respiratórias e superam em 2,3 vezes as causas externas como acidentes. Diante desse cenário, o estudo traz três lições práticas:
- Monitoramento regular da hipertensão: aferição mensal, uso de medicação quando necessário e redução do consumo de sal.
- Alimentação rica em potássio – bananas, laranjas, batata‑doce – que ajuda a equilibrar a pressão.
- Programas de cessação do tabagismo apoiados por terapia de reposição e acompanhamento psicológico.
Além disso, campanhas de conscientização sobre colesterol e diabetes precisam ser ampliadas, sobretudo em áreas rurais onde o acesso a exames laboratoriais ainda é limitado.
Próximos passos e recomendações
Greenland indica que a próxima fase do projeto será analisar a eficácia de intervenções precoce em populações de risco. “Se conseguirmos reduzir a pressão arterial média em 5 mmHg, podemos evitar milhares de infartos”, afirma, citando modelos preditivos que sugerem uma queda de até 12% na mortalidade cardiovascular.
Para o leitor, a mensagem é clara: não espere o “coração surpreender”. Agende consultas regulares, faça exames de sangue, pare de fumar e mantenha um estilo de vida ativo. Como conclui a SBC, “prevenção salva vidas e reduz custos do sistema de saúde”.
Perguntas Frequentes
Quais são os quatro fatores de risco identificados?
Hipertensão arterial, colesterol total elevado, glicemia de jejum acima de 100 mg/dL e tabagismo (ativo ou passado). Cada um desses fatores, isolado ou combinado, aumenta drasticamente a chance de infarto, AVC ou insuficiência cardíaca.
Como o estudo foi conduzido?
Foram analisados registros de 9,3 milhões de adultos sul‑coreanos (≥20 anos) e 6,8 mil norte‑americanos (45‑84 anos) durante até 20 anos, usando critérios padronizados de pressão, colesterol, glicemia e histórico de tabagismo.
Qual a relevância dos resultados para o Brasil?
Segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia, o infarto mata cerca de 400 mil brasileiros ao ano. Identificar e controlar os quatro fatores pode reduzir significativamente essas mortes, suprindo uma demanda urgente de saúde pública.
O que a população pode fazer imediatamente?
Marcar consultas médicas para medir pressão e colesterol, adotar dieta rica em frutas e vegetais, praticar atividade física regular e buscar apoio para deixar de fumar. Pequenas mudanças têm impacto comprovado na redução dos riscos.
Quais são os próximos passos da pesquisa?
A equipe planeja testar intervenções preventivas em grupos de alto risco para verificar se a redução de um ponto na pressão arterial ou no colesterol diminui efetivamente a incidência de infartos e AVCs ao longo de dez anos.
Jémima PRUDENT-ARNAUD
outubro 15, 2025 AT 23:04É lamentável que ainda haja quem tente minimizar a importância dos quatro fatores clássicos de risco cardiovascular. O estudo de Greenland simplesmente confirma o que a literatura já vem apontando há décadas: hipertensão, colesterol alto, glicemia elevada e tabagismo são praticamente indispensáveis para a ocorrência de um infarto ou AVC. Ignorar esses dados é um desserviço à saúde pública e demonstra uma arrogância intelectual inadmissível. Além do mais, sugerir que existam “infartos silenciosos” sem nenhum antecedente histórico é alimentar uma fábula perigosa. Quem realmente quer salvar vidas deve focar na prevenção desses fatores, não em teorias conspiratórias sem fundamento.