Imagens de câmeras de segurança mostram o juiz federal Eduardo Appio escondendo garrafas de champanhe Moët & Chandon em sacolas de compras, sem pagar — um ato que, segundo a Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), pode ter violado o dever ético de magistrados. Os fatos ocorreram em três ocasiões entre setembro e outubro de 2023, no supermercado Giassi Supermarkets, em Blumenau, Santa Catarina. O caso, inicialmente tratado como um simples furto, ganhou dimensão nacional por envolver um juiz que sucedeu Sergio Moro na condução dos últimos processos da Operação Lava Jato — e por revelar uma contradição chocante: o homem que julgava corrupção em grandes escala, seria acusado de furtar R$ 1.197 em bebida alcoólica.
As câmeras não mentem — e nem o boletim de ocorrência
As gravações obtidas pela Polícia Civil de Santa Catarina mostram Appio, em três ocasiões distintas, retirando as garrafas das prateleiras, colocando-as em sacolas de compras e passando pelo caixa sem pagar. Em uma das sequências, ele segura um ursinho de pelúcia na mão enquanto uma garrafa permanece escondida na sacola. Ao ser confrontado por seguranças, teria tentado pagar com cartão — mas sem comprovar a compra do champanhe. O supermercado já havia registrado o fato na polícia antes mesmo da tentativa de pagamento. A identificação do suspeito veio por meio da placa do veículo registrado em seu nome, estacionado no local.Em 23 de outubro de 2023, a polícia notificou oficialmente a TRF-4. Uma semana depois, o tribunal emitiu uma ordem de suspensão provisória. A decisão, mantida em sigilo por semanas, foi tornada pública em 27 de novembro, quando foi aberto o Processo Administrativo Disciplinar (PAD). A corte citou o Artigo 35, I da Lei 8.429/1992, que exige dos magistrados conduta irrepreensível — mesmo fora do ambiente de trabalho. "Conscientemente esconder a bebida em sacola de compras", afirmou o tribunal, "não é um erro de judgment, é uma falha moral".
"É fake news", diz o juiz — e aponta política
Appio nega categoricamente. Em entrevista ao NSC Total, disse: "Não sei do que se trata. Sempre paguei minhas compras. Tenho recibos. Sempre paguei todas as minhas despesas." Mas os recibos apresentados, segundo a polícia, não incluíam o champanhe. Em declaração à VEJA, ele foi além: "É coincidência tudo isso acontecer em uma cidade onde todo mundo é bolsonarista?". A insinuação é clara: ele acusa o caso de ser uma armação política, por estar em uma região de forte apoio à direita.Ele não é novo em controvérsias. Em 2023, já havia sido suspenso de atuar nos processos da Lava Jato por envolvimento em uma ligação anônima com ameaças ao filho do desembargador Marcelo Malucelli, membro da TRF-4. Na ocasião, aceitou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) sem detalhar os fatos. Agora, o tribunal recusou um novo TAC, dizendo que o caso configura "infração de alto grau". E isso é grave — porque, na magistratura, a credibilidade é mais valiosa que o salário.
Sergio Moro responde — e não poupa palavras
O ex-juiz e atual senador Sérgio Moro (União Brasil-PR), que transferiu os casos da Lava Jato para Appio ao deixar a Justiça para entrar na política, não se calou. Em nota oficial, disse: "O juiz Appio vive num mundo de fantasias. Nenhuma de suas acusações resultou em acusação contra mim. Não sou responsável se ele decidiu furtar champanhe três vezes em um supermercado." A resposta foi dura, mas estratégica. Moro, que virou símbolo da operação, não quer ser associado ao escândalo. E o faz com um toque de ironia — quase como se dissesse: "Isso não é corrupção de alto nível. É ridículo."
Por que isso importa — e o que pode vir a seguir
A Lava Jato não é só um processo. É um símbolo. Um marco na história recente do Brasil. E quem o conduz — mesmo que em seus últimos capítulos — carrega o peso da expectativa pública. Appio foi escolhido por ser considerado um "herdeiro" de Moro. Mas a crítica da imprensa e da própria magistratura sempre o apontou como um juiz com ligações próximas ao PT, e um adversário declarado de Moro. Agora, o escândalo pode ser o fim da sua trajetória.Fontes próximas ao TRF-4 afirmam que a expectativa é que o PAD resulte em sua aposentadoria compulsória. O prazo padrão para conclusão é de 140 dias — mas pode ser prorrogado. Se aprovado, ele perderá o cargo, o salário e, o que é pior, a reputação. A TRF-4 deixou claro: "A gravidade dos fatos, em tese, pode comprometer a integridade do Poder Judiciário e a autoridade do juiz perante aqueles que estão sob sua jurisdição."
Um juiz, três garrafas e um sistema que não perdoa
O que parece um episódio banal — furtar champanhe — na verdade toca em algo mais profundo: a percepção de que a justiça, por mais que se esforce para ser imparcial, é feita por seres humanos. E humanos erram. Mas quando se trata de juízes, o erro não é apenas pessoal. É institucional. E isso não é aceitável.Appio, que chegou a ser chamado de "alvo de críticas" pela revista Oeste e "adversário de Moro" pela VEJA, agora enfrenta o que pode ser o maior desafio da sua carreira: provar que não é o que as câmeras mostram. Mas, até lá, ele está suspenso. E o Brasil, de novo, olha para a Justiça com desconfiança.
Frequently Asked Questions
Como o juiz Eduardo Appio foi identificado como suspeito?
A Polícia Civil de Santa Catarina identificou Appio por meio da placa do veículo registrado em seu nome, estacionado no Giassi Supermarkets em Blumenau durante os incidentes. As câmeras de segurança mostram claramente o homem que retira as garrafas, e a coincidência temporal e espacial, somada ao relato de funcionários, permitiu a confirmação da identidade.
Quais leis o juiz pode ter violado?
Além da lei penal de furto, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região apontou a violação do Artigo 35, I da Lei 8.429/1992, que exige magistrados a manter conduta irrepreensível. Também foi citada a Resolução 195/2014 do CNJ, que obriga juízes a respeitar a lei em todos os âmbitos da vida — pública e privada.
Por que o caso foi aberto como processo administrativo e não criminal?
O processo administrativo disciplinar (PAD) trata da conduta funcional do magistrado. Mesmo que haja investigação criminal, o TRF-4 tem competência para julgar a adequação ética e profissional do juiz. A punição pode ser mais severa no âmbito administrativo — como a aposentadoria compulsória — sem precisar de condenação penal.
O que pode acontecer se o processo for concluído com culpa?
A sanção mais provável é a aposentadoria compulsória, conforme indicado por fontes judiciais. Isso significaria perda do cargo, do salário e da possibilidade de atuação na magistratura. Em casos graves, também pode haver proibição de exercer funções públicas por até oito anos, conforme a Lei de Improbidade Administrativa.
Há precedentes de juízes suspensos por furto?
Sim. Em 2020, um juiz federal no Rio Grande do Sul foi afastado por furtar itens de um supermercado. Em 2017, um desembargador no Paraná foi punido por tentar furtar um celular em loja. Mas nenhum caso teve o mesmo impacto simbólico — por envolver um juiz da Lava Jato, símbolo da combate à corrupção.
O que o caso revela sobre a percepção da Justiça no Brasil?
Revela que, mesmo após anos de operações como a Lava Jato, a população ainda vê a Justiça como um sistema frágil — onde o poder pode corromper até os que juram combatê-lo. A ironia é cruel: quem julgava políticos por desvios bilionários agora é acusado de furtar R$ 1.200 em bebida. A percepção de hipocrisia é o verdadeiro dano.